Uma pessoa do porte do Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, bate à porta do
coração de milhões de pessoas, beija crianças, toma chimarrão no meio
da multidão, tem em sua história diálogos com homens e mulheres de
convicções diferentes, manda uma mensagem aos muçulmanos pelo final do
Ramadã, abrindo portas para uma convivência respeitosa e construtiva;
conversa sem rodeios com jornalistas que lhe fazem perguntas
aparentemente incômodas, sem ceder em seu compromisso com a verdade e em
sua fidelidade à Igreja. É o mesmo Papa que chama por telefone um fiel
que perdeu um irmão num assalto, na Itália, ou visita de surpresa os
operários do Vaticano em seus postos de trabalho!
Com santo
orgulho, podemos dizer que o Espírito Santo tomou a palavra para os
cristãos oferecerem ao nosso tempo o que existe de melhor! Trata-se de
um sinal de valores dos quais a humanidade vinha sentindo saudades.
Volta à moda a ternura e a bondade, caminhos inigualáveis para a mudança
profunda. Não é difícil entender que Deus escolhe o que parece
insignificante, gestos simples do cotidiano, para tocar no mais íntimo
das pessoas.
Ao lado de muitos gestos que revelam as opções
pastorais nas quais deseja envolver a Igreja inteira e têm edificado o
mundo, o Papa Francisco tem testemunhado sua profundidade espiritual
como bom jesuíta. Chama também atenção sua profunda devoção mariana,
expressa em manifestações de religiosidade que tocam no coração de nosso
povo. Apenas eleito Papa, seu primeiro ato público foi a visita à
Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, para entregar seu pontificado a
Nossa Senhora, onde voltou após a Jornada Mundial da Juventude. O Brasil
inteiro se viu ali representado quando depositou sobre o Altar nada
menos do que uma bola de futebol e uma camiseta da Jornada! No Brasil,
quis visitar o Santuário Nacional de Aparecida, confiando à proteção de
Nossa Senhora os dias que se seguiram na histórica viagem ao nosso país.
No último dia da Jornada, quando lhe entreguei uma imagem de Nossa
Senhora de Nazaré, era como uma criança que ganhava um presente,
perguntando-me singelamente: "É para mim?". E beijou a imagem. As
alturas do pontificado são pontes que se constroem com a simplicidade de
gestos e palavras que não precisam de explicações!
Mais do que
as múltiplas formas com que a arte tem retratado a Virgem Maria ou os
tantos títulos com que a devoção popular a venera, sua missão há de ser
reconhecida pelo lugar que lhe foi reservado na história da salvação. O
papel de Maria na Igreja é inseparável de sua união com Cristo, que se
manifesta desde a hora da concepção virginal de Cristo até Sua Morte,
Ressurreição e Ascensão ao Céu. Maria percorreu sua peregrinação de fé,
manteve fielmente sua união com o Filho até a cruz, onde esteve de pé,
sofreu intensamente junto com Ele e associou-se ao Seu sacrifício. E foi
dada pelo próprio Jesus, aos pés da cruz, como mãe ao discípulo com
estas palavras: "Mulher, eis aí teu filho" (Jo 19,26-27). Após a
Ascensão de seu Filho, Maria acompanhou com suas orações a Igreja
nascente, pedindo e acolhendo o dom do Espírito, que, na Anunciação, a
tinha coberto com sua sombra (Cf. Catecismo da Igreja Católica 964-965).
Maria é Mãe da Comunidade que
constitui o Corpo místico de Cristo e acompanha os seus primeiros
passos. Ao aceitar essa missão, anima a vida da Igreja com a sua
presença, grande sinal oferecido a todas as gerações de cristãos. Essa
solidariedade vem de sua pertença à comunidade dos remidos. Com efeito,
ela teve necessidade de ser remida, pois está associada a todos os
homens necessitados de salvação (Lumen Gentium 53). O privilégio da
Imaculada Conceição preservou-a da mancha do pecado, em previsão dos
méritos de Cristo. Como membro da Igreja, Maria põe ao serviço dos
irmãos a sua santidade pessoal, fruto da graça de Deus e da sua fiel
colaboração. A Imaculada Conceição é para todos os cristãos apoio na
luta contra o pecado e perene encorajamento a viverem como remidos por
Cristo, santificados pelo Espírito e filhos do Pai (Cf. João II,
Audiência geral do dia 30 de julho).
Verdadeira joia do
ensinamento da Igreja a respeito da Virgem Maria, um Sermão do
Bem-aventurado Isaac, abade do Mosteiro de Stella, no Século XII,
aproxima de forma admirável a Igreja, Nossa Senhora e cada fiel: "Nas
Escrituras divinamente inspiradas, o que se atribui de modo geral à
Igreja, virgem e mãe, aplica-se particularmente a Maria. E o que se
atribui especialmente a Maria, virgem e mãe, pode-se com razão aplicar
de modo geral à Igreja, virgem e mãe... Além disso, cada alma fiel é
igualmente, a seu modo, esposa do Verbo de Deus, mãe de Cristo, filha e
irmã, virgem e mãe fecunda. É a própria Sabedoria de Deus, o Verbo do
Pai, que aponta ao mesmo tempo para a Igreja em sentido universal, Maria
num sentido especial e cada alma fiel em particular... No tabernáculo
do seio de Maria, o Cristo habitou durante nove meses; no tabernáculo da
fé da Igreja, habitará até o fim do mundo; e no amor da alma fiel,
habitará pelos séculos dos séculos". Não é possível separar Igreja, Maria e os homens e mulheres de fé!
Entende-se
assim porque cada discípulo verdadeiro de Cristo levará consigo Maria
entre aquilo que lhe pertence de mais precioso, para caminhar seguro,
certo de que a mãe bendita entre todas as mulheres já chegou à
realização de todas as esperanças. Profeticamente, a própria
Virgem Maria anunciou que todas as gerações a chamariam bem-aventurada
(Lc 1,48). E ela é honrada com um culto especial pela Igreja. Este
culto de veneração é essencialmente diferente do culto de adoração que
se presta ao Verbo encarnado, ao Pai e ao Espírito Santo. Ele se
expressa nas festas litúrgicas dedicadas à Mãe de Deus, na Oração
Mariana, no Santo Rosário, resumo de todo o Evangelho (Cf. Catecismo da
Igreja Católica 971), e em tantas outras e importantes formas que o
Espírito Santo suscita por toda parte.
A partir da segunda
quinzena de agosto, o olhar de fé dos paraenses se volta para o Círio de
Nazaré, nossa grande Festa Mariana. Sem a presença de Maria, falta-nos a
água que nos sacia! (Cf. Nm 20,1) Com ela, já sairemos jubilosos pelas
ruas, percorrendo as casas e peregrinando pelos corações, sabedores de
que o melhor da festa é esperar por ela e prepará-la. As pessoas que
coordenarão as peregrinações levem a Palavra de Deus a todos. Nenhum
ambiente se feche para as visitas da Imagem Peregrina. Celebrem-se
Círios nas mais variadas instituições da Sociedade. Ganhem espaço os
cartazes do Círio, saiam a público berlindas, cordas, flores e
procissões. Nossos sentimentos e gestos de devoção foram reforçados e
estimulados pelo Papa Francisco, ninguém menos do que o Papa!
Ao celebrar com a Igreja, neste final de semana, a Assunção de Nossa
Senhora, renove-se em nós a esperança, na certeza de que a última
palavra da história da humanidade pertence e pertencerá a Deus. Nenhum
problema ou crise, ou mesmo os pecados pessoais ou sociais de quem quer
que seja, poderão vencer aquele que é primeiro e o último, princípio e
fim, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
Nenhum comentário:
Postar um comentário